Snape. Severo?

A vida de Snape jamais foi fácil. Mestiço, pobre, viveu à sombra de um amor que jamais se concretizou. Talentoso no preparo de poções, também desenvolveu um inigualável talento na oclumência, a arte da mente fechada. Fechou tanto sua mente a ponto de se cegar e entregar seu amor perdido à morte. Claro, esse complexo personagem interessa e intriga a muitos fãs, mas o que quero tentar ressaltar nessa coluna é a essência deste bruxo, que é muito mal compreendido pelos fãs, que muitas vezes apenas transitam entre os extremos, da bondade à maldade, ao abordá-lo, mesmo que seus motivos tenham se tornados claros como cristal no desfecho da saga.
Severo? Sem dúvidas e de várias maneiras. A primeira, mais evidente, é sua postura como professor e pessoa,sendo sempre ríspido, repulsivo e grosso, não só com Harry, mas especialmente em relação a Sirius e Tiago. O segundo lado é a rigidez consigo próprio. Não é difícil imaginar que ele tenha um quê de Hermione no que se refere a ânsia pelo saber e à inteligência, afinal, seu livro de poções demonstra sua genialidade. Mas talvez por reconhecer em si a inteligência como a única virtude, ele a tenha trancado em si a sete chaves. Mesmo sem buscar glórias, prêmios estudantis e reconhecimento, nem a usar a seu favor nem para fazer amizades verdadeiras, ele ainda via em si um príncipe mestiço, cuja coroa era apenas a avantajada capacidade intelectual.
Esse rigor para proteger o que tinha de melhor o fez construir barreiras entre os que o amavam e o levou para um círculo onde não era genuinamente admirado, entre os sonserinos, onde sua falta de tato e o fato de ser tão fechado não seria motivo para zombaria. Esse rigor consigo mesmo, posteriormente, se transformou em um único pressuposto, o qual ele seguiu a ferro e fogo: o de tentar amenizar seu crime ao entregar Lílian e Tiago às mãos de Voldemort.
O que eu acabei de dizer está lá, em Harry Potter. Mas esse personagem tão esférico e tão interessante ganhou e vem ganhando tantas facestas entre os fãs que chega a ganhar de Gina, outra personagem interpretada sob milhares de olhares.
Na época antes da publicação do sétimo livro, o assunto mais polêmico era a lealdade de Snape. Amigo ou inimigo? Particularmente eu era do grupo da maioria, que acreditava que ele era o vilão, o assassino. Eu não via como JK Rowling poderia transformar o assassino de Dumbledore em um herói e me lembro de ter ficado chocado quando li o capítulo sobre o passado do príncipe.
O período das teorias foi, sem dúvida, a época mais deliciosa do fandom. Snape era mal e ponto final. Snape era bom e na verdade não lançara um Avada Kedavra no diretor, mas havia feito um feitiço também verde e havia o lançado pela torre usando um feitiço não-verbal e seria por esta razão que JK explicara esse tipo de feitiço no sexto livro. Ah, tinha também o Snape RAB, que assinara como Régulo e roubara a verdadeira horcrux e havia o Snape, O Eleito (uma teoria aleatória minha, confesso, que pregava que Snape acreditava que ele era o Eleito por achar que era ele quem de fato se encaixava na profecia, o que fazia de Severo um personagem nem do bem nem do mal).
No final, Snape matou Dumbledore porque ele o pediu para assim fazê-lo. Como poderia negar isso ao homem que lhe ajudara e que lhe perdoara e dera uma segunda chance? “Mas e a minha alma?”, ele perguntou. Não há como negar que Dumbledore foi extremamente manipulador e mais de uma vez pareceu somente mover as peças em um tabuleiro. Mas essa pergunta era, digamos, desnecessária.
Para continuar protegendo Harry, esse era o caminho e o severo Snape, acredito, jamais consideraria fazer algo diferente. Essa era sua vida, sua missão. Se um assassinato rompe a alma, a alma de Snape se rompera na noite de 31 de outubro de 1981 e a partir de então, tudo que faria era para garantir que seu arrependimento e sua dor não fossem em vão. Ele compreendeu isso e entendeu que isso fazia parte do preço a ser pagado, de sua via crucis.
Eu devia ter desconfiado. JK gosta de pincelar cores diferentes ao que é matiz, gosta de colocar o simples no confuso e o confuso no simples. Ela deixou claro que a série era sobre o amor, mas poucos tiveram a sensibilidade de entender que era realmente de fato uma história de amor. Nenhum dos personagens de JK é o que aparente e isso já devia servir para abrir meus olhos na época e de muitos outros. O brutamontes do Hagrid tem um coração de manteiga. O professor Dumbledore de 150 anos é ágil como jovem. Tom Riddle, o fascista, é o mestiço. Então, é evidente, agora, que Snape haveria de ter um lado não severo, e a autora deu pistas desde Ordem da Fênix, ao apresentar sua pior recordação.
E esse lado nada severo se revelou em momentos como quando vemos o príncipe mestiço que só reconhecia em si a inteligência como virtude perder a coroa e se tornar mais humano ao transbordar a Dumbledore o que ele sentia na seguinte passagem: “Depois de todo esse tempo?” “Sempre.”
Ele é o severíssimo Snape, mas não é tão severo. A corça prateada reluziu que os alicerces do seu rigor era um sentimento mais leve e fulgurante, capaz de abalar qualquer rigidez, a ponto de, inclusive, fazer esse homem pedir no último instante de sua vida para relembrar o que o fazia sorrir, através de dois olhos verdes.

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